Uma investigação internacional identificou uma mudança sem precedentes a cerca de 3 000 quilômetros de profundidade, onde o manto terrestre encontra o núcleo. O fenômeno, associado a transformações em minerais de perovskita sob pressão extrema, foi descrito em artigo publicado em agosto no periódico Geophysical Research Letters. A descoberta resultou da análise minuciosa de dados coletados pelos satélites GRACE, missão conjunta de Estados Unidos e Alemanha que monitorou variações no campo gravitacional do planeta entre 2002 e 2017.
Como os satélites revelaram a anomalia
Lançada em 2002, a dupla de satélites GRACE (Gravity Recovery and Climate Experiment) voava em formação, mantendo distância fixa de aproximadamente 220 quilômetros. Qualquer alteração de massa na superfície ou no interior da Terra — como movimento de água subterrânea, derretimento de geleiras ou variações na densidade de rochas profundas — modificava ligeiramente essa distância. O desvio, registrado com precisão milimétrica, permitia mapear flutuações no campo gravitacional.
Segundo os autores do estudo, um sinal incomum surgiu nos registros de 2007, localizado próximo à costa atlântica da África. Modelagens iniciais descartaram a hipótese de que o evento fosse provocado apenas por mudanças de água ou gelo na superfície. O padrão observado apontava para perturbações em regiões profundas, indicando uma redistribuição de massa no limite entre o manto e o núcleo.
Transformação da perovskita e impacto nas camadas internas
A equipe liderada pela geofísica Isabelle Panet, da Universidade da Cidade de Paris, sugere que a origem do fenômeno esteja ligada a cristais de perovskita submetidos a pressão e temperatura extremas. Nessas condições, o mineral pode reorganizar sua estrutura interna, tornando-se mais denso. Esse aumento de densidade teria levado a deslocamentos de rochas adjacentes e a uma ligeira deformação da interface manto–núcleo, estimada em cerca de 10 centímetros.
De acordo com a sismóloga Barbara Romanowicz, da Universidade da Califórnia em Berkeley, o registro constitui evidência convincente de processos dinâmicos na base do manto ocorrendo em escala de tempo relativamente curta. Até agora, alterações nesse nível eram consideradas praticamente estáticas na perspectiva humana, dificultando a observação direta.
Período do evento e relevância científica
A alteração teria começado por volta de 2006, estendendo-se até 2008. A análise retrospectiva dos dados, concluída anos depois, permitiu identificar o intervalo exato e correlacionar o sinal gravitacional com possíveis causas mineralógicas. Para os pesquisadores, a descoberta reforça a importância do monitoramento de longo prazo do campo gravitacional, que funciona como “raio X” das estruturas internas do planeta.
Especialistas apontam que compreender processos nas profundezas da Terra ajuda a explicar desde a geração do campo magnético — essencial para proteger a superfície de partículas solares — até a origem de terremotos de grande magnitude. Relatórios indicam que anomalias semelhantes, se identificadas em outras regiões, podem fornecer novas pistas sobre a circulação de calor e matéria entre manto e núcleo.
Perspectivas para futuras missões de observação
Com o encerramento da missão GRACE em 2017, o monitoramento do campo gravitacional passou a ser realizado por sua continuidade, o GRACE Follow-On, lançado em 2018. Cientistas defendem que dados dessas plataformas, combinados a informações sísmicas e modelagens computacionais, poderão confirmar se transformações adicionais estão em curso em outras porções do planeta.

Imagem: GC Quarterland
Segundo especialistas envolvidos no estudo, o aprimoramento de sensores de gravidade e a integração de múltiplas técnicas geofísicas devem ampliar a capacidade de detectar mudanças sutis no interior terrestre. Essa abordagem pode antecipar riscos naturais e melhorar a compreensão de como variações profundas influenciam fenômenos na superfície.
Possíveis impactos para a sociedade e para a pesquisa
A evidência de um processo geológico tão rápido em região tão profunda desafia teorias tradicionais sobre a estabilidade do manto inferior. Caso novas observações confirmem a frequência desses eventos, modelos de evolução térmica e química da Terra poderão ser atualizados. Para a sociedade, a principal consequência está na melhoria de previsões de risco geológico e na preservação de infraestruturas críticas, uma vez que o comportamento do núcleo influencia o campo magnético e, consequentemente, sistemas de comunicação e navegação.
Para o leitor, esse avanço científico destaca a importância de missões espaciais de observação contínua. Ferramentas capazes de enxergar o invisível tornam-se cada vez mais decisivas para antecipar impactos ambientais e geofísicos, beneficiando tanto a pesquisa básica quanto aplicações em segurança e planejamento.
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Curiosidade
A perovskita que intriga geofísicos nas profundezas da Terra também é estudada para fins tecnológicos. Em laboratório, versões sintéticas do mineral compõem células solares de última geração, graças à capacidade de absorver luz com alta eficiência. Essa coincidência mostra como um mesmo material pode revelar segredos do passado geológico do planeta ao mesmo tempo em que aponta caminhos para a produção de energia limpa no futuro.
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