A criação de avatares virtuais de pessoas já falecidas, conhecidos como “deadbots”, deixou de ser apenas um experimento tecnológico e transformou-se em um mercado em rápida expansão. Estimativas citadas pela rádio norte-americana NPR indicam que o chamado “digital afterlife industry” deve quadruplicar de tamanho e alcançar quase US$ 80 bilhões na próxima década. Ao combinar grandes volumes de dados pessoais com modelos de inteligência artificial generativa, empresas oferecem a possibilidade de “imortalidade digital” e abrem um debate sobre limites éticos, privacidade e monetização do luto.
Como funcionam os deadbots e onde já são usados
Os deadbots utilizam gravações de voz, registros em redes sociais, fotos e vídeos para construir uma réplica digital capaz de interagir de forma autônoma. Esse recurso já foi empregado em diferentes contextos:
• Um caso relatado pela Scientific American descreve a iniciativa de Stacey Wales, que gerou um vídeo de seu irmão falecido para ser exibido durante o julgamento do motorista envolvido em sua morte por violência no trânsito. A mensagem influenciou a decisão do juiz, que aplicou a pena máxima.
• Organizações como March For Our Lives e Change the Ref criaram a campanha “The Shotline”, na qual vozes recriadas de vítimas de armas de fogo deixam mensagens automáticas em gabinetes de parlamentares, pressionando por leis mais rígidas.
Além de discursos em tribunais e ativismo político, especialistas projetam outras aplicações comerciais. James Hutson, pesquisador da Lindenwood University, avalia que a tecnologia “inevitavelmente será monetizada”, incluindo campanhas publicitárias com celebridades já falecidas ou serviços de envio de mensagens póstumas programadas.
Questões éticas e necessidade de regulamentação
O avanço dos deadbots suscita dúvidas sobre consentimento, propriedade de dados e exploração financeira da dor alheia. A pesquisadora Katarzyna Nowaczyk-Basińska, do Leverhulme Center for the Future of Intelligence da Universidade de Cambridge, afirma que a sociedade carece de “guardrails éticos bem-definidos” para lidar com a chamada “imortalidade digital”. Documentários como Eternal You também apontam o risco de empresas transformarem o luto em fonte de lucro, oferecendo serviços pagos para manter a presença virtual de entes queridos.
Entre os principais pontos de atenção mencionados por estudiosos estão:
• Consentimento em vida: falta de normas que obriguem plataformas a comprovar autorização da pessoa retratada antes de criar um avatar póstumo.
• Direito à privacidade: familiares podem não controlar totalmente a utilização de imagens e vozes, levando a usos não desejados.
• Impacto psicológico: especialistas questionam se a interação contínua com réplicas digitais dificulta ou prolonga o processo de luto.
• Uso comercial: possibilidade de transformar a imagem dos mortos em ferramenta de marketing, sem alinhamento aos valores que tinham em vida.

Imagem: Internet
Diante desse cenário, há consenso entre pesquisadores de que legislações específicas e padrões internacionais de boas práticas são urgentes para garantir transparência, responsabilidade e respeito às memórias individuais.
O interesse crescente em deadbots acompanha a evolução dos sistemas de IA, já empregados para compor músicas, editar vídeos, gerar textos acadêmicos e auxiliar na programação de software. Em 2025, projetam analistas, a tecnologia deverá estar integrada a ainda mais atividades cotidianas, reforçando a necessidade de princípios claros que definam onde termina a inovação e começa a violação de direitos.
Para acompanhar outras reportagens sobre inteligência artificial e seus impactos, acesse a seção de IA do Remanso Notícias.
Em síntese, o mercado de ressuscitação digital promete crescimento acelerado e novas fontes de receita, mas também impõe desafios éticos significativos. Reguladores, empresas e sociedade civil terão de equilibrar o avanço tecnológico com a proteção da dignidade humana.
Curiosidade
Algumas startups já oferecem planos de assinatura que permitem gravar áudios periódicos para serem enviados após a morte do usuário. Há, inclusive, pacotes que incluem mensagens de aniversário programadas por até uma década. O modelo de negócios reforça a tendência de transformar lembranças em serviços recorrentes, ampliando o alcance da “economia do além-vida”.