Força Espacial dos EUA adota satélites ‘GOCO’ para reduzir riscos em conflitos

Ciência

A Força Espacial dos Estados Unidos está migrando para um modelo de satélites “government-owned, commercially-operated” (GOCO), no qual o governo permanece proprietário dos ativos, mas delega a operação a empresas privadas. A estratégia, destacada por executivos do setor durante o MilSat Symposium, na Califórnia, busca manter serviços críticos em funcionamento mesmo sob ameaça de ataques e, ao mesmo tempo, blindar financeiramente as companhias responsáveis pela operação.

Modelo transfere responsabilidade financeira ao governo

Pressões recentes, como a declaração da Rússia de que satélites comerciais ocidentais podem ser alvos legítimos se contribuírem com a Ucrânia, aceleraram a adoção do formato GOCO. Segundo Servando Cuellar, diretor de programas governamentais da Astranis, a configuração permite à administração pública aproveitar tecnologias e agilidade típicas do mercado, sem expor as empresas a perdas patrimoniais em situações de conflito.

No arranjo tradicional de serviço totalmente comercial, a operadora banca sozinha um eventual prejuízo — cifra que pode chegar a dezenas de milhões de dólares por satélite. No esquema GOCO, essa responsabilidade recai majoritariamente sobre o governo, que assume o risco de dano ou destruição do equipamento. Em contrapartida, a companhia continua a fornecer inovação, rapidez de implantação e gestão da constelação.

Programas como o MILNET, constelação de banda larga em órbita baixa, já seguem esse conceito: os satélites pertencem ao governo, enquanto a SpaceX cuida da operação e do gerenciamento de rede. A mesma lógica vale para projetos de órbita geoestacionária manobrável (MGEO) e para o Protected Tactical Satcom-Global (PTS-G), todos focados em reforçar a resiliência das comunicações militares.

De acordo com Cuellar, a principal vantagem tática está na capacidade de reposicionar rapidamente um satélite para cobrir áreas de interesse em cenários de crise. “O governo precisa deslocar ativos de comunicação em questão de horas; com GOCO é possível fazer isso sem interromper serviços civis”, explicou.

Desafios ainda travam relação com setor privado

Apesar dos benefícios, executivos apontam entraves no relacionamento entre indústria e Defesa. Um deles é a indefinição sobre indenização e compensação quando satélites comerciais são requisitados pelo governo em programas como o Commercial Augmentation Space Reserve (CASR). Inspirado na frota aérea de reserva civil, o CASR pretende garantir acesso militar a recursos privados em emergências, mas suas regras contratuais seguem em debate.

Questões de cibersegurança também preocupam. Brad Bode, diretor de tecnologia da Atlas Space Operations, afirmou que servidores e antenas viram alvos preferenciais ao atender clientes governamentais. “Durante um conflito, o principal risco é o cibernético; nosso nome passa a constar no radar de grupos hostis”, observou. A empresa, que oferece estações terrestres como serviço, avalia cuidadosamente a localização de novas antenas para reduzir exposição — um plano na Ucrânia foi abandonado antes da invasão russa justamente por esse motivo.

Outro ponto sensível envolve a tendência de o Pentágono solicitar customizações específicas, elevando custos e complexidade. Bode relata casos em que produtos de uso dual (civil e militar) perdem viabilidade comercial após adaptações exigidas pela Defesa. Para contornar o problema, algumas divisões militares revisam processos de aquisição a fim de incorporar soluções prontas de mercado. “Estamos começando a ver mudanças que podem alinhar melhor requisitos governamentais com o que já existe na prateleira”, disse o executivo.

Cuellar reforçou que sistemas comerciais, muitas vezes, comportam funções militares sem alterar hardware. A Astranis demonstrou um software-defined radio capaz de rodar uma forma de onda anti-jamming apenas por atualização de software. “Trata-se de usar o mesmo equipamento de maneira diferente, não de projetar algo totalmente novo”, completou.

Impacto para o setor e para o usuário final

Especialistas veem a expansão do modelo GOCO como um sinal de maturidade da indústria espacial comercial. Relatórios indicam que o mercado de uso dual deve crescer significativamente na próxima década, atraindo investidores interessados em contratos governamentais estáveis. Para operadoras de telecomunicações, o formato traz possibilidade de receita adicional sem expor o balanço a riscos de guerra. Já para os governos, significa acesso ágil a tecnologia de ponta e aumento da redundância orbital, elemento considerado crucial em conflitos que envolvem tentativas de interferência, jamming ou ataques cibernéticos.

Ao consumidor final, os reflexos podem surgir em forma de serviços de conectividade mais robustos, pois a mesma infraestrutura usada pelas Forças Armadas tende a alimentar redes de internet via satélite, amplificando cobertura em áreas remotas. Além disso, a participação de múltiplos fornecedores privados tende a fomentar competição e reduzir preços ao longo do tempo.

Curiosidade

O conceito “GOCO” não é novo: ele já foi aplicado em setores como energia nuclear e aeroportos nos Estados Unidos desde a década de 1950. A expansão para o espaço reforça a tradição do governo norte-americano de manter a posse de ativos estratégicos enquanto transfere a operação a especialistas privados, combinando segurança nacional com eficiência de mercado.

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