Mais de 400 músicos de diferentes países decidiram retirar ou limitar o acesso às próprias obras em serviços de streaming voltados ao público israelense. A iniciativa, batizada de No Music for Genocide, utiliza recursos de geobloqueio para impedir que faixas e álbuns sejam executados em Israel, em protesto contra a ofensiva militar em Gaza, a ocupação na Cisjordânia e o sistema que os artistas classificam como apartheid.
Entre os nomes envolvidos estão Massive Attack, Faye Webster, Arca, Japanese Breakfast, MIKE, King Krule, Fontaines D.C., Rina Sawayama, Aminé, Kelela, Amyl and the Sniffers, MJ Lenderman, Kneecap, Mannequin Pussy e a veterana Carole King. Segundo o comunicado oficial do movimento, qualquer artista pode aderir, bastando preencher um formulário disponível no site nomusicforgenocide.net.
Aderência de grandes gravadoras e alcance global
O envolvimento do Massive Attack chama atenção por ser o primeiro grupo vinculado a uma grande gravadora — a Universal Music Group — a formalizar a retirada de catálogos do Spotify na região. Especialistas em indústria fonográfica apontam que a participação de artistas associados a majors pode incentivar nomes de maior expressão comercial a seguirem o mesmo caminho, ampliando o impacto econômico do boicote.
Relatórios da International Federation of the Phonographic Industry (IFPI) indicam que o mercado de streaming responde por mais de 65% da receita musical global. Embora Israel represente uma parcela modesta desse volume, analistas consultados por consultorias do setor afirmam que a iniciativa tem valor simbólico elevado e pode afetar parcerias locais, shows e contratos de licenciamento.
Os participantes também representam uma variedade de gêneros — indie rock, hip-hop, eletrônica, folk e pop alternativo — o que contribui para diversificar o alcance do protesto. De acordo com dados divulgados pelos organizadores, há adesões provenientes do Reino Unido, Estados Unidos, Japão, Austrália e países da Europa continental.
Relação com o movimento BDS e outras frentes culturais
O No Music for Genocide é descrito pelos próprios criadores como extensão do movimento BDS — Boicote, Desinvestimento e Sanções, campanha lançada em 2005 para pressionar Israel por meio de ações econômicas e culturais. Diferentemente de boicotes tradicionais, o uso de geobloqueio explora uma ferramenta técnica que há duas décadas não estava disponível, permitindo restringir o consumo de música por região sem retirar o material do ar globalmente.
Além do setor fonográfico, outros segmentos culturais aderiram a protestos semelhantes. Mais de 4 000 cineastas assinaram recentemente carta aberta comprometendo-se a não trabalhar com instituições israelenses consideradas cúmplices de violações aos direitos humanos. Em paralelo, atores como Brad Pitt e Joaquin Phoenix produzem o filme The Voice of Hind Rajab, trama ambientada na atual guerra em Gaza.
Professoras de estudos culturais da Universidade de São Paulo consultadas pela imprensa destacam que boicotes artísticos ganham força porque associam visibilidade midiática a pressões financeiras. Para esses especialistas, a retirada de conteúdo em plataformas digitais sinaliza ao público israelense e à comunidade global uma crítica direta às ações militares, sem exigir presença física dos artistas em manifestações.
Mecânica do geobloqueio e resposta das plataformas
Serviços como Spotify, Apple Music e Deezer permitem que selos e criadores delimitem territórios onde o catálogo pode ou não ser disponibilizado. O procedimento é executado nos painéis de gestão de metadados e costuma ser irreversível sem novo upload. No entanto, cada plataforma adota políticas específicas para alterações posteriores.
Em nota enviada a veículos internacionais, o Spotify declarou que respeita decisões de artistas e gravadoras sobre onde disponibilizar suas obras, desde que estejam em conformidade com legislações locais e termos de serviço. Já a Apple Music não comentou casos individuais, mas reforçou apoiar a liberdade de expressão.

Imagem: Divulgação
Até o momento, o governo israelense não divulgou posicionamento oficial sobre o movimento. Dados do Ministério das Comunicações de Israel mostram que, em 2023, cerca de 70% da população com acesso à internet usava ao menos um serviço de streaming de música, percentual comparável ao de mercados como Estados Unidos e Reino Unido.
Efeitos esperados e possíveis desdobramentos
Analistas de mercado apontam que, a curto prazo, o geobloqueio tem impacto financeiro limitado, mas amplia discussões sobre responsabilidade social das plataformas e obriga gravadoras a avaliar a relação entre receita e imagem pública. Segundo consultoria MIDiA Research, boicotes culturais podem ganhar tração se artistas com audiências de dezenas de milhões de ouvintes mensais aderirem.
Na esfera política, organizações de direitos humanos acreditam que a ação reforça pressões por cessar-fogo e negociações diplomáticas. Já associações do setor musical israelense consideram a iniciativa discriminatória e ineficaz, argumentando que penaliza consumidores sem influenciar políticas estatais.
Para o público brasileiro, o movimento serve de termômetro sobre como a tecnologia pode ser usada na militância digital. Caso a adesão cresça, serviços de streaming podem intensificar o debate sobre transparência em políticas de retirada de conteúdo e sobre a possibilidade de oferecer contramedidas para usuários afetados.
Curiosidade
Em 2010, o Massive Attack recusou-se a tocar em Tel Aviv, citando razões políticas semelhantes às atuais. Por ironia, a ferramenta de geobloqueio usada agora só foi implementada pelo Spotify cinco anos depois, em 2015. A evolução do streaming acabou fornecendo aos artistas o meio digital que faltava para realizar um boicote localizado, sem precisar cancelar shows presenciais.
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