Entre 2006 e 2008, dois satélites da missão GRACE, operada pela NASA em parceria com o Centro Aeroespacial Alemão (DLR), registraram um sinal gravitacional incomum sobre o Atlântico Oriental, na altura da costa africana. O fenômeno, com cerca de sete mil quilômetros de extensão na direção norte-sul, alcançou seu ponto máximo em janeiro de 2007 e intrigou a comunidade científica por não apresentar vínculo com marés, correntes oceânicas ou processos atmosféricos.
Anomalia inédita desafia explicações de superfície
As medições de rotina do GRACE mostraram um padrão alongado de intensidade sem precedentes nos registros. A extensão e a persistência do sinal excluíram explicações baseadas em variações de nível do mar, umidade do solo ou mudanças climáticas sazonais. Modelos hidrológicos, oceânicos e atmosféricos não conseguiram reproduzir a escala da anomalia, levando os pesquisadores a descartar causas superficiais.
Segundo a geofísica Mioara Mandea, coautora do estudo que analisou o episódio, o primeiro passo foi verificar a legitimidade dos dados. Diferentes métodos estatísticos confirmaram que o desvio gravitacional era real, não um ruído instrumental. Em seguida, a equipe comparou o período de maior intensidade da anomalia com registros do campo magnético da Terra e constatou uma coincidência: em janeiro de 2007, ocorreu um “solavanco geomagnético”, variação abrupta do magnetismo planetário.
Essa correlação sugeriu que ambos os fenômenos poderiam ter origem comum em camadas profundas. A hipótese ganhou força por ocorrer perto da Grande Província Africana de Baixa Velocidade de Cisalhamento (LLSVP), região no manto caracterizada por temperatura elevada e composição heterogênea.
Transformação mineral a 2,5 mil km de profundidade
O estudo propõe que a anomalia gravitacional esteja ligada a uma transformação de fase do silicato de magnésio (MgSiO₃) na camada D, zona limítrofe entre o manto sólido e o núcleo líquido, localizada a aproximadamente 2 500 km de profundidade. Nesse ambiente de pressões e temperaturas extremas, o mineral passaria da forma perovskita para pós-perovskita, estruturalmente mais densa.
Modelos indicam que a conversão poderia ocorrer em plumas ascendentes dentro da LLSVP. Mesmo uma diferença média de um grau Celsius seria suficiente para provocar deflexões de até 12 centímetros na fronteira núcleo-manto, redistribuindo massa de maneira súbita e temporária. Essa alteração explicaria o perturbação gravitacional medida pelos satélites, além de influenciar o campo magnético ao modificar o fluxo de ferro líquido no núcleo externo.
Relatórios geofísicos destacam que transformações mineralógicas em profundidade são pouco compreendidas, mas podem ocorrer em escalas regionais e provocar efeitos detectáveis na superfície. No caso do evento de 2006-2008, a magnitude chamou atenção por estender-se quase pelo comprimento do continente africano, algo inédito na série histórica do GRACE.
Implicações para a ciência da Terra
Para especialistas, o episódio reforça a interconexão entre processos internos e sinais observáveis na superfície. Detectar variações de gravidade associadas ao manto profundo abre caminho para monitorar a dinâmica terrestre de forma mais precisa, contribuindo para modelos de evolução térmica e composição do planeta. Além disso, a correlação com o solavanco geomagnético sugere que alterações no limite núcleo-manto podem desempenhar papel significativo na variação secular do campo magnético.
A descoberta também mostra o valor de missões como o GRACE na detecção de fenômenos transitórios. Embora voltados originalmente ao monitoramento de água, gelo e clima, os satélites revelaram capacidade de captar efeitos geodinâmicos até então desconhecidos. Pesquisadores defendem a continuidade de programas semelhantes para ampliar a compreensão sobre terremotos, vulcanismo e estabilidade do campo geomagnético.

Imagem: Pedro Spadi via ChatGPT
Do ponto de vista tecnológico, compreender oscilações gravimétricas e magnéticas ajuda a calibrar sistemas de navegação, comunicação via satélite e operações de prospecção mineral. Para o público em geral, indica que o interior da Terra permanece ativo e capaz de gerar interferências mensuráveis, mesmo sem manifestação direta na superfície.
Impacto para o leitor
Embora o fenômeno tenha sido temporário, ele revela que mudanças em camadas profundas podem afetar, ainda que de forma sutil, aspectos ligados à gravidade e ao magnetismo que sustentam serviços modernos, como GPS e redes elétricas. Entender esses processos auxilia na previsão de variações que influenciam rotas aéreas, satélites e até pesquisas sobre exploração de recursos naturais.
Para quem acompanha ciência e tecnologia, a identificação de uma transformação mineral tão distante da superfície sinaliza avanços na capacidade de “enxergar” o interior terrestre. Novas missões devem aumentar a resolução desses dados, abrindo perspectivas para previsões mais robustas sobre eventos geodinâmicos que impactam o cotidiano.
Curiosidade
Você sabia que a camada D, foco da pesquisa, mede apenas algumas centenas de quilômetros de espessura, mas exerce grande influência na dinâmica do planeta? Por estar logo acima do núcleo líquido, ela funciona como interface entre materiais sólidos e fluidos, controlando o fluxo de calor que alimenta o geodínamo responsável pelo campo magnético. Afinal, pequenas variações nessa fronteira podem repercutir em fenômenos detectados a milhares de quilômetros, como mostrou a anomalia gravimétrica de 2007.
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