Um dos relatos de dilúvio mais antigos da humanidade, gravado em tabuletas de argila há cerca de 3 000 anos, acaba de ganhar nova interpretação. Segundo pesquisa do assiriólogo Dr. Martin Worthington, da Universidade de Cambridge, o deus babilônico Ea teria enganado a população para que construísse uma arca, garantindo a sobrevivência apenas de Utanapishti – figura equivalente a Noé – e sua família.
Nova leitura das tabuletas do Gilgamesh
As conclusões estão reunidas no livro “Duplicity in the Gilgamesh Flood”, fruto de uma revisão linguística de nove linhas do Épico de Gilgamesh. Worthington analisou expressões em acadiano, a língua registrada nas tabuletas, e identificou passagens ambíguas que sustentam a tese de manipulação. Duas sentenças específicas – “ina šēr-kukkī” e “ina lilâti ušaznanakkunūši šamūt kibāti” – apresentam significados duplos a depender da entonação e do contexto fonético.
No entendimento que teria sido repassado à população, Ea prometia fartura: “ao amanhecer haverá bolos kukkū; ao anoitecer choverá trigo sobre vocês”. A interpretação alternativa, porém, muda o sentido para um aviso de catástrofe: “por meio de encantamentos e demônios do vento, choverá sobre vocês uma tempestade tão densa quanto grãos de trigo”. Essa ambiguidade, aponta o pesquisador, permitiu ao deus manter seu real plano em segredo.
Engano coletivo e a origem da “fake news”
Empolgada com a promessa de provisões celestes, a comunidade se mobilizou para erguer a embarcação e carregá-la com animais. Concluída a tarefa, apenas Utanapishti, seus familiares e um seleto grupo de criaturas embarcaram. Quando as águas subiram, todos os demais habitantes foram submersos. Para Worthington, o episódio representa um dos primeiros registros de desinformação deliberada na história.
O pesquisador destaca que, na mitologia mesopotâmica, os deuses dependiam dos humanos para receber oferendas. Ao preservar uma única família, Ea asseguraria o retorno dos sacrifícios após a tragédia, evitando que o panteão passasse fome. “A divindade usa a linguagem de forma dúbia para servir aos próprios interesses”, afirma o assiriólogo.
Embora o enredo guarde semelhanças com o relato bíblico do Gênesis, as motivações divergem. Na versão hebraica, o dilúvio é punição moral; no mito babilônico, trata-se de estratégia de sobrevivência divina. A análise reforça a hipótese de que o texto da Bíblia tenha sido influenciado por tradições mesopotâmicas mais antigas, adaptando-as a outro contexto cultural e teológico.
Implicações para estudos de religião e linguagem
A descoberta de Worthington oferece nova lente para pesquisadores de literatura comparada, teologia e linguística. Ao demonstrar que um único fragmento pode conter mensagens sobrepostas, o trabalho sugere que autores antigos dominavam recursos retóricos sofisticados, capazes de mascarar instruções verdadeiras sob promessas atraentes.

Imagem: Osama Shukir Muhammed Amin FRCPGlasg
Especialistas estimam que as tabuletas do Gilgamesh foram produzidas por escribas na região onde hoje se encontra o Iraque. Preservadas em coleções arqueológicas, elas continuam a render insights sobre mitos de criação, governança e moral que influenciaram civilizações posteriores.
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Este reexame do dilúvio babilônico reforça a importância de revisar documentos históricos com ferramentas modernas de tradução e crítica textual. Ao revelar a possível manipulação de Ea, o trabalho de Worthington ilumina como a comunicação ambígua pode moldar eventos épicos e, eventualmente, a memória coletiva.
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Curiosidade
As tabuletas que compõem o Épico de Gilgamesh foram redescobertas no século XIX nas ruínas da antiga biblioteca de Nínive, pertencente ao rei assírio Assurbanípal. Muitas delas chegaram ao Museu Britânico em centenas de fragmentos, exigindo décadas de restauração. Ainda hoje arqueólogos seguem encontrando pedaços adicionais, o que mantém aberta a possibilidade de novas descobertas sobre heróis, deuses e antigos modos de vida mesopotâmicos.
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