Micróbios “acordam” após 100 milhões de anos confinados sob o fundo do mar

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Uma equipa internacional conseguiu reativar microrganismos preservados em sedimentos marinhos com até 101,5 milhões de anos. Os resultados demonstram que a vida pode sobreviver em condições extremas durante escalas de tempo impressionantes, desafiando limites antes estabelecidos para a persistência biológica na Terra.

Amostras coletadas a quase 6 km de profundidade

Os investigadores do Japan Agency for Marine-Earth Science and Technology (JAMSTEC) e da Universidade de Rhode Island obtiveram sedimentos a 5 700 metros de profundidade no Pacífico Sul, cerca de 75 metros abaixo do leito oceânico. O material foi acumulado entre 13 e 101,5 milhões de anos atrás, em camadas formadas por neve marinha, poeira e detritos. Embora o oxigénio consiga penetrar lentamente até essa zona, a concentração de nutrientes orgânicos é mínima, criando um ambiente considerado hostil para a maioria das formas de vida.

Mesmo assim, análises iniciais revelaram células ainda intactas. Para verificar se os micróbios permaneciam viáveis, as amostras foram transferidas para laboratório, esterilizadas externamente e incubadas com compostos de carbono e azoto marcados com isótopos. Esse procedimento permitiu detectar, por meio de técnicas de rastreamento, se as substâncias eram absorvidas e metabolizadas pelos organismos adormecidos.

Crescimento acelerado em condições controladas

Ao longo de dez semanas, os investigadores observaram que os micróbios incorporaram os isótopos e multiplicaram-se até 10 000 vezes. Mesmo nos estratos mais antigos, datados de 101,5 milhões de anos, houve aumento substancial da quantidade de células. A maioria pertence ao grupo das bactérias aeróbias, dependentes de oxigénio para sobreviver.

Segundo Steven D’Hondt, professor de Oceanografia e coautor do estudo, as comunidades subterrâneas reduzem drasticamente o metabolismo para compensar a escassez de energia. Essa “hibernação” implica intervalos de divisão celular possivelmente medidos em milhares ou até milhões de anos. As medições de fluxo energético indicam que o consumo é tão baixo que apenas cobre a reparação de moléculas essenciais, preservando as células enquanto aguardam condições mais favoráveis.

Implicações para a biologia e a astrobiologia

A descoberta amplia o entendimento sobre os limites de sobrevivência microbiana e fornece pistas para a procura de vida em ambientes extraterrestres. Se micróbios terrestres conseguem persistir durante eras geológicas com oxigénio escasso e quase nenhum alimento, formações sedimentares em Marte ou em luas geladas, como Europa e Encélado, podem abrigar ecossistemas semelhantes.

Além disso, o trabalho sugere que grandes volumes de biomassa estão ocultos abaixo do fundo marinho, com impacto potencial nos ciclos globais de carbono e nitrogénio. Estudos prévios já identificaram microrganismos a centenas de metros sob o leito oceânico; no entanto, esta é a evidência mais antiga de viabilidade reprodutiva após um período tão prolongado de confinamento.

Metodologia assegura fiabilidade dos resultados

Para evitar contaminação, os cientistas utilizaram brocas estéreis e isolaram o material interno das amostras. A incubação decorreu em câmara controlada, com temperatura e pressão ajustadas para simular o ambiente original. O rastreamento isotópico garantiu que apenas organismos metabolicamente ativos absorvessem os nutrientes fornecidos. Contagens celulares foram realizadas por citometria e microscopia de fluorescência, confirmando o aumento populacional.

Os autores destacam que este é o primeiro registo de micróbios marinhos ressuscitados após um intervalo superior a 100 milhões de anos. A pesquisa foi publicada na revista Nature Communications e abre caminho para investigações sobre a adaptação de comunidades microbianas em sedimentos de outras regiões oceânicas.

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Em síntese, o estudo mostra que a vida pode permanecer latente por tempos geológicos e retomar a atividade quando recebe estímulos adequados. A pesquisa reforça a importância de explorar ambientes extremos, tanto na Terra quanto fora dela, para compreender a resiliência dos organismos.

Curiosidade

A equipa calculou que algumas das células enterradas sob o leito marinho podem dividir-se apenas uma vez a cada 1 000 anos. Mesmo assim, fatores como baixa temperatura e pressão constante ajudam a preservar estruturas vitais. Esse metabolismo “em câmara lenta” aproxima-se de um estado quase amorfo entre vida ativa e dormência, oferecendo um modelo singular para estudos sobre envelhecimento celular.

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