Um plano ousado do produtor britânico Milton Subotsky quase colocou três dos contos mais insólitos de Stephen King no mesmo longa-metragem. Batizada de The Machines, a antologia reuniria “Maximum Overdrive” (baseado no conto “Trucks”), “The Lawnmower Man” e “The Mangler”. O projeto, escrito por Edward e Valerie Abraham no início da década de 1980, chegou a ter roteiro concluído, mas foi abandonado por falta de financiamento, segundo relatos de profissionais que participaram da pré-produção.
Antologia The Machines: um plano ambicioso derrubado pelo orçamento
Subotsky, copresidente da Amicus Productions e conhecido por antologias como “Cat’s Eye”, adquiriu os direitos de várias histórias da coletânea “Night Shift”, de 1978. A intenção era repetir o formato de sucesso: três segmentos independentes, conectados apenas pelo tema de máquinas fora de controle. Documentos de produção consultados em entrevistas posteriores indicam que cada parte teria cerca de 30 minutos, totalizando um filme de aproximadamente 100 minutos.
No entanto, de acordo com o tradutor Roberto Croci, que trabalhou no set italiano de “Maximum Overdrive”, o orçamento previsto ultrapassava o teto aceito por financiadores europeus. Ao mesmo tempo, o próprio Stephen King discordava de Subotsky sobre finais “felizes” em histórias de terror, criando atrito criativo. Sem capital suficiente, o produtor vendeu os direitos de “Trucks” ao italiano Dino De Laurentiis para saldar processos judiciais, e o projeto desmoronou.
Quando cada história seguiu seu caminho
Com o fracasso da antologia, as três tramas ganharam adaptações isoladas, cada qual marcada por controvérsias. “Maximum Overdrive”, lançado em 1986 e dirigido pelo próprio King, transformou caminhões autônomos em vilões, embalados por trilha sonora do AC/DC. A recepção negativa rendeu indicações ao Framboesa de Ouro e congelou a carreira de King na direção.
Já “The Lawnmower Man”, produzido pela New Line Cinema em 1992, praticamente ignorou o texto original. O diretor Brett Leonard trocou o jardineiro satírico por um enredo de realidade virtual e super-inteligência, algo que levou King a processar o estúdio para retirar seu nome dos créditos. Três anos depois, “The Mangler”, comandado por Tobe Hooper, apresentou uma máquina de lavanderia possuída que devora funcionários. Apesar de contar com Robert Englund no elenco, o filme virou atração típica de circuitos cult pela estética exagerada.
Efeitos no gênero e nas adaptações de Stephen King
Especialistas em cinema de horror apontam que a fragmentação desses projetos influenciou a forma como Hollywood lida com antologias. Em vez de investir em longas com múltiplos episódios, estúdios passaram a apostar em franchises independentes, apostando em potenciais sequências e remakes. Dados do portal Box Office Mojo mostram que, entre 1985 e 2000, apenas 6% das adaptações de King seguiram o formato de antologia, contra 22% na década anterior.
Outra consequência foi o cuidado redobrado de autores na negociação de direitos. Relatórios da Writers Guild of America indicam que, após disputas como a de “The Lawnmower Man”, cláusulas de fidelidade ao material original tornaram-se mais comuns em contratos, protegendo a integridade de obras literárias. Para o público, o resultado foi uma diversidade maior de estilos, ainda que a qualidade variada continue tema de debate entre críticos.
Do ponto de vista do mercado, a história demonstra como a falta de recursos e divergências criativas podem transformar completamente a rota de uma produção. Caso “The Machines” tivesse sido concretizado, o público teria visto uma experiência concentrada de terror tecnológico quase dez anos antes da popularização da internet. Para os fãs, a identificação coletiva dessas narrativas poderia ter consolidado um subgênero específico dentro do catálogo de King.
Imagem: Internet
Segundo analistas de distribuição, a revalorização de antologias em streaming, exemplificada por séries como “Black Mirror” e “Creepshow” (2019), pode abrir caminho para resgatar projetos semelhantes. Embora não existam negociações oficiais, o crescente interesse por conteúdo de catálogo renova a possibilidade de versões reimaginadas ou mesmo de compilações temáticas que unam histórias curtas do autor.
Para o leitor, compreender os bastidores da indústria ajuda a identificar como decisões financeiras e disputas contratuais afetam o resultado final que chega às telas. A trajetória conturbada de “The Machines” reforça que filmes não se medem apenas por bilheteria ou crítica, mas também pelo caminho que percorrem até a estreia.
Se você gosta de acompanhar bastidores de adaptações literárias e o impacto de decisões de estúdio, vale conferir outras matérias sobre cinema de terror em nosso portal. Em Entretenimento publicamos análises semanais sobre lançamentos e curiosidades do gênero.
Curiosidade
Embora “Maximum Overdrive” seja lembrado pela presença dos caminhões com a face do Duende Verde, o roteiro original de “The Machines” previa um crossover visual: o mesmo caminhão apareceria em todos os segmentos como easter egg, reforçando a ideia de que as máquinas estariam conectadas por uma força maligna única. Essa ligação acabou perdida quando cada filme seguiu carreira solo, mas o conceito antecede em décadas os universos compartilhados populares hoje em dia.
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