Plataformas que utilizam inteligência artificial (IA) estão a criar obituários falsos a partir de comentários publicados nas redes sociais por familiares e amigos de pessoas recém-falecidas. O conteúdo, recheado de imprecisões, é publicado em sites pouco conhecidos e partilhado por bots em contas quase anónimas, com o objetivo de atrair cliques e gerar receita por meio de anúncios.
Como o esquema se estrutura
A prática explora o intervalo entre o anúncio de um falecimento e a publicação do obituário oficial. Nesse período, informações postadas no Facebook e noutras redes são recolhidas por sistemas de IA generativa, que produzem textos padronizados e, muitas vezes, repletos de erros factuais. Em um caso emblemático, uma norte-americana de 36 anos que morreu de linfoma teve a causa de morte atribuída a “autismo”; o texto também mencionava um velório ainda inexistente.
Os sites que publicam esses necrológios são registados em domínios de curta duração e, em diversos casos, apresentam endereços fictícios para ocultar a real localização dos responsáveis. Investigadores rastrearam vários domínios a moradas na Islândia usadas como fachada, enquanto outras páginas apontam para proprietários na Nigéria, sugerindo uma rede distribuída de produtores de conteúdo automatizado.
Segundo especialistas citados no levantamento, a remuneração advém principalmente de anúncios pay-per-click. Como o custo operacional é baixo e o processo totalmente automatizado, bastam poucos acessos para tornar o modelo financeiramente viável. Para ampliar o alcance, os operadores utilizam redes de contas falsas que partilham massivamente os links nas primeiras horas após a morte ser divulgada.
Impacto nos familiares e resposta das plataformas
Para as famílias, o choque de encontrar informações incorretas sobre o ente querido em páginas desconhecidas adiciona sofrimento ao período de luto. Pesquisadores apontam que a proliferação desses textos compromete a busca por fontes confiáveis nos motores de pesquisa, já que muitos desses sites aparecem entre os primeiros resultados nos dias seguintes ao falecimento.
Google afirma bloquear “milhões de páginas de spam” diariamente e diz ter reduzido a visibilidade de obituários enganosos após recentes atualizações de política. No entanto, os criadores de IA continuam a publicar novos domínios tão rápido quanto outros são removidos. No Facebook, a Meta relatou ter eliminado 100 milhões de páginas falsas em 2023, mas reconheceu que o problema persiste.
Ferramentas como ChatGPT, Claude e Copilot passaram a recusar pedidos para redigir necrológios quando não encontram fontes reputadas que confirmem a morte, sinal de que as próprias empresas de IA tentam erguer barreiras. Mesmo assim, versões modificadas ou cópias não oficiais desses modelos podem contornar os bloqueios.
Dicas para identificar obituários falsos
Especialistas recomendam cautela com qualquer necrológio partilhado nas primeiras 24 horas após a morte ter sido noticiada. Entre os sinais de alerta estão:
Fonte desconhecida: páginas sem ligação a jornais locais, funerárias ou portais tradicionais merecem desconfiança.

Imagem: the Los Angeles Times
URL insegura: domínios que começam por “http” (sem o “s”) indicam ausência de criptografia e costumam hospedar anúncios ou pop-ups agressivos.
Linguagem genérica: expressões vagas como “membro querido da comunidade” sem detalhes concretos sobre a vida da pessoa sugerem texto automatizado.
Erros factuais: causas de morte improváveis, datas incompatíveis ou informações sobre cerimónias que ainda não ocorreram são indícios claros.
Ao localizar uma página suspeita, a orientação é denunciar o link à rede social, reportar o resultado como spam no Google e alertar familiares e amigos com o obituário legítimo.
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O uso indiscriminado de IA evidencia a necessidade de políticas mais rígidas de moderação e transparência. Manter-se atento aos sinais de conteúdo automatizado ajuda a proteger informações pessoais e a memória de quem partiu.
Curiosidade
Levantamento do serviço Ahrefs indica que, em abril de 2025, quase 75% das novas páginas criadas na internet continham material gerado por IA. Esse crescimento acelerado aumenta o volume de “conteúdo descartável” — chamado de AI slop — que inclui desde receitas duvidosas até necrológios inventados. A tendência pressiona motores de busca e redes sociais a melhorarem filtros e ferramentas de verificação.