A ideia de lançar partículas microscópicas de enxofre na atmosfera para refletir parte da luz solar e, assim, reduzir a temperatura do planeta voltou ao centro do debate científico. Um novo estudo, publicado em 21 de outubro na revista Scientific Reports, conclui que esta forma de geoengenharia pode gerar mais efeitos colaterais do que se estimava até agora. A investigação foi conduzida por Faye McNeill, química atmosférica da Columbia Climate School, e pela cientista de aerossóis Miranda Hack, também da Universidade Columbia.
Referência histórica expõe benefícios e danos
O conceito de injetar dióxido de enxofre na estratosfera baseia-se em fenômenos naturais, principalmente na erupção do Monte Pinatubo, nas Filipinas, em 1991. Naquele evento, cerca de 20 milhões de toneladas de dióxido de enxofre alcançaram a estratosfera e provocaram queda média de 0,5 °C na temperatura global durante aproximadamente dois anos, segundo o Serviço Geológico dos Estados Unidos. Embora o resfriamento temporário seja frequentemente citado como prova de que a técnica funciona, o mesmo episódio causou secas no Sul da Ásia ao perturbar o sistema de monções da Índia e acelerou a destruição da camada de ozônio ao aquecer a estratosfera.
Inspirados nesse precedente, defensores da chamada Injeção de Aerossol Estratosférico (SAI, na sigla em inglês) propõem replicar o processo de forma controlada. No entanto, as conclusões do novo estudo sugerem que controlar todos os desdobramentos é praticamente impossível com a tecnologia disponível.
Simulações apontam incertezas e riscos regionais
Para chegar aos resultados, a equipe usou modelos climáticos avançados que simulam a dispersão de partículas em diferentes cenários. De acordo com os autores, mesmo as simulações mais detalhadas trabalham com condições idealizadas. “Os modelos assumem partículas perfeitas, com tamanho ideal, distribuídas exatamente onde queremos”, explicou McNeill em comunicado. No mundo real, fatores como correntes de vento, umidade e composição química variam constantemente, abrindo margem para surpresas “inevitáveis”.
Segundo o estudo, o local de injeção desempenha papel decisivo. Caso as partículas se concentrem próximo ao equador, podem alterar padrões globais de circulação atmosférica e, consequentemente, redistribuir calor de forma não planejada. Se a maior parte ficar próxima aos polos, o risco é comprometer sistemas de monções tropicais, essenciais para a agricultura de milhões de pessoas. Além disso, à medida que as partículas descem pela atração gravitacional, reagem com a água da chuva formando ácido sulfúrico, responsável por chuva ácida e degradação do solo.
Alternativas químicas mostram limitações
O grupo também avaliou outros compostos propostos pela comunidade científica, como diamante, zircônia cúbica, titânia rutilo, carbonato de cálcio e alfa-alumina. Substâncias raras ou de produção cara — caso do diamante ou da zircônia — são consideradas inviáveis pela limitação de oferta. Já os materiais abundantes tendem a formar aglomerados, dificultando a dispersão homogênea. De acordo com os autores, nenhum candidato mostrou desempenho superior ao enxofre sem introduzir desafios logísticos ou ambientais adicionais.
Os pesquisadores ressaltam que, para compensar o aquecimento previsto até o fim do século, seria necessário repetir as injeções anualmente em quantidades próximas a cinco teragramas (cinco milhões de toneladas) de enxofre. A operação exigiria frota específica de aeronaves de alta altitude, infraestrutura de distribuição global e monitoramento constante, ampliando custos e riscos.
Implicações para políticas climáticas
Segundo relatórios oficiais do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a geoengenharia não deve substituir a redução de emissões de gases de efeito estufa. O novo artigo reforça essa posição ao indicar que a SAI poderia mitigar temporariamente a elevação de temperatura, mas ao preço de efeitos colaterais severos e possivelmente irreversíveis em ecossistemas regionais, na qualidade do ar e na disponibilidade de água.

Imagem: the Expediti
Além disso, especialistas em governança ambiental alertam para o chamado “efeito disco de freio”: a percepção de que existe uma solução tecnológica rápida pode reduzir a pressão por cortes de emissões, atrasando mudanças estruturais em energia, transporte e uso da terra.
Impacto para o leitor: caso a injeção de aerossóis avance sem compreender plenamente os riscos, regiões agrícolas podem enfrentar alteração de regimes de chuva, influenciando oferta de alimentos e preços. Moradores de centros urbanos também estão sujeitos a maior incidência de chuva ácida, com impactos na saúde e no patrimônio histórico.
Curiosidade
Embora se fale em “dimer” o Sol, a quantidade de luz desviada pela técnica representaria apenas cerca de 1% da radiação solar total. Mesmo assim, esse ajuste mínimo seria suficiente para afetar culturas agrícolas sensíveis, como arroz e trigo. A relação entre pequena variação de luz e grandes impactos climáticos destaca a complexidade de mexer nos sistemas planetários.
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