Pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) desenvolveram um método biotecnológico para produzir colágeno idêntico ao extraído da pele de jumentos, produto utilizado na medicina tradicional chinesa para fabricar o ejiao. A iniciativa pretende frear o abate de animais no Brasil, onde a demanda asiática pelo insumo ameaça levar a espécie ao desaparecimento.
Demanda chinesa impulsiona risco de extinção
O colágeno obtido da espécie Equus asinus ganhou alta valorização no mercado chinês por ser considerado um componente rejuvenescedor e terapêutico. Relatórios da ONG The Donkey Sanctuary indicam que, entre 2018 e 2024, cerca de 248 mil jumentos foram abatidos apenas no estado da Bahia. Segundo especialistas, a população total do animal no país encolheu 94 % nas últimas décadas, movimento iniciado na década de 1990 com a substituição dos jumentos por motocicletas como meio de transporte no Nordeste.
Com a recente decisão unânime da União Africana de banir o comércio de pele de jumentos, a China passou a concentrar importações na América Latina. Para pesquisadores brasileiros, o redirecionamento aumenta a pressão sobre um rebanho já reduzido e reforça a necessidade de alternativas industriais sustentáveis.
Fermentação de precisão replica a proteína animal
A equipe do Laboratório de Zootecnia Celular da UFPR emprega a chamada fermentação de precisão. O processo insere sequências de DNA do jumento em microrganismos geneticamente modificados. Durante a multiplicação dessas células em biorreatores, elas passam a secretar a mesma proteína encontrada na pele do animal. Posteriormente, o colágeno é separado da biomassa e purificado para uso industrial.
A pesquisadora Carla Molento explica que a técnica “desacopla a obtenção da proteína do sacrifício do animal”, mantendo as características químicas exigidas pelo mercado asiático, mas sem impactos de bem-estar e com menor pegada de carbono. Segundo a UFPR, trata-se da primeira vez que a metodologia é aplicada especificamente ao colágeno de jumentos.
Financiamento limitado pode atrasar produção comercial
O projeto recebeu cerca de R$ 500 mil em aportes públicos e privados, valor considerado insuficiente para avançar para a escala industrial. De acordo com a equipe, serão necessários novos investimentos para validar a segurança do produto, obter certificações sanitárias e construir biorreatores de maior capacidade.
Molento ressalta que a solução não elimina, sozinha, o risco de extinção. Os pesquisadores defendem um censo nacional da população de jumentos, fiscalização do transporte interestadual de cargas vivas e políticas de incentivo à criação sustentável. “Sem dados oficiais confiáveis, não há como dimensionar o impacto real do abate”, afirma.
Impactos econômicos e ambientais
Segundo análises de mercado, o ejiao movimenta cerca de US$ 7 bilhões por ano. A adoção de colágeno de laboratório pode reposicionar o Brasil como fornecedor de insumos biotecnológicos de alto valor agregado, reduzindo dependência de commodities e abrindo novos postos de trabalho no setor de fermentação de precisão.
Ambientalistas apontam ainda diminuição significativa de emissões associadas ao transporte de animais e ao descarte de resíduos orgânicos. Estudos preliminares sugerem consumo de água até 90 % menor em comparação ao curtume tradicional, além de maior rastreabilidade, fator decisivo para exportação a mercados exigentes em transparência.

Imagem: Shutterstock
O que muda para o consumidor e para o produtor rural
Para fabricantes chineses, a matéria-prima sintética mantém as propriedades funcionais, mas tende a ter custo inicial mais elevado enquanto não houver escala. Para criadores nordestinos, o avanço da tecnologia pode significar transição de um modelo baseado em abate para um sistema de reprodução responsável com foco em turismo rural, tração leve e preservação genética.
Órgãos de defesa animal consideram a iniciativa um passo-chave para coibir maus-tratos. Já organizações de trabalhadores rurais pedem programas de capacitação que permitam aproveitar biorresíduos do processo fermentativo na produção de ração ou biofertilizantes, gerando renda adicional.
A curto prazo, a disponibilidade do colágeno de laboratório depende de testes de estabilidade, aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e acordos comerciais com importadores asiáticos. Mesmo assim, especialistas avaliam que o anúncio brasileiro pressiona outros países a acelerar pesquisas semelhantes, formando um mercado global de proteínas específicas cultivadas em tanques, não em animais.
Para o leitor, a popularização dessa tecnologia pode inaugurar uma nova categoria de produtos “sem abate” nas prateleiras, ampliando escolhas éticas de consumo e estimulando debates sobre a origem de ingredientes cosméticos e farmacêuticos.
Curiosidade
Você sabia que o jumento foi o primeiro animal de porte médio introduzido no Brasil colonial? Registros históricos indicam que ele chegou em 1534, acompanhando a expedição de Martim Afonso de Sousa. Usados por séculos em atividades agrícolas, esses animais percorreram a mesma trilha do ouro que ligava o Nordeste a Minas Gerais, transportando cargas que moldaram a economia do período.
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