Chuva extrema no Quênia ressuscita bactéria milenar e mata rinoceronte usado em FIV pioneira

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Uma sequência de chuvas intensas associadas ao fenômeno El Niño no Quênia desencadeou um incidente raro e mortal: carcaças preservadas no subsolo há séculos foram expostas, libertando bactérias do gênero Clostridium capazes de sobreviver por até 500 anos. A toxina produzida por esses microrganismos matou, em menos de uma hora, a fêmea Curra, rinoceronte-branco-do-sul que atuava como barriga de aluguel em um procedimento inédito de fertilização in vitro (FIV) para salvar o rinoceronte-branco-do-norte, subespécie reduzida a dois exemplares vivos.

Tempestades expõem carcaças antigas e liberam toxina letal

O excesso de chuva removeu a camada superficial de solo em áreas de conservação no centro do Quênia. Sob essa cobertura, havia restos de animais que, ao entrarem em contato com o ar e a umidade, reativaram colônias de Clostridium. A bactéria libera uma toxina neuroparalítica capaz de provocar morte em grandes mamíferos em aproximadamente 60 minutos.

Curra adoeceu repentinamente quando equipes do projeto BioRescue — iniciativa internacional dedicada a conservar mamíferos criticamente ameaçados — chegavam ao país para avaliar a possível gestação. Segundo o coordenador do projeto, Jan Stejskal, a evolução clínica foi tão rápida que, num primeiro momento, cogitou-se picada de cobra. A necropsia indicou intoxicação por Clostridium.

Para evitar novas perdas, os responsáveis pela reserva Ol Pejeta, onde vivem os rinocerontes, vacinaram imediatamente os demais animais. Nenhum outro caso foi registrado após a aplicação emergencial.

Projeto BioRescue confirma viabilidade de FIV entre subespécies

Apesar da morte de Curra, a equipe encontrou um feto de 66 dias durante a necropsia. Análises genéticas realizadas em laboratório europeu comprovaram que se tratava de um rinoceronte-branco-do-norte, gerado a partir de embrião criado em ambiente controlado e transferido à fêmea de subespécie diferente. O resultado confirma, pela primeira vez, a eficácia desse tipo de FIV em rinocerontes.

O avanço é considerado fundamental, pois restam apenas duas fêmeas de rinoceronte-branco-do-norte, Najin e Fatu, ambas incapazes de levar gestações a termo. Embriões congelados e o uso de barrigas de aluguel da subespécie do sul são, no momento, a única via para produzir novos indivíduos.

Próximos passos incluem diversidade genética e reintrodução

Com a prova de conceito obtida, o BioRescue concentra esforços em produzir novas gestações bem-sucedidas. Paralelamente, a organização colabora com a fundação Colossal para mapear genes historicamente presentes na população do norte, mas ausentes nos exemplares restantes. A estratégia passa pela edição gênica de linhagens celulares para recuperar alelos que podem aumentar resistência a doenças e ampliar a adaptabilidade.

Especialistas estimam que a restauração de uma população viável exigirá décadas. Além de responsabilidade ética — a caça motivada pela demanda por chifres liderou o colapso da espécie —, argumenta-se que há habitat disponível e relevância cultural em países como o Sudão do Sul, onde o rinoceronte figurava em símbolos oficiais mesmo após desaparecer da natureza.

Documentário registra a trajetória de perda e esperança

Os acontecimentos, incluindo a morte de Curra e a descoberta do feto, integram o filme “The Last Rhinos: A New Hope”, lançado pelo canal National Geographic. A produção estreou em 24 de agosto e reforça a visibilidade internacional do esforço de conservação, agora apoiado por biotecnologia de ponta.

Para quem acompanha iniciativas de pesquisa aplicada, outros avanços em ciência podem ser conferidos na seção de tecnologia do site Remanso Notícias, que reúne novidades sobre inovação e impacto ambiental.

O caso de Curra evidencia como mudanças climáticas e eventos extremos podem ressuscitar agentes patogênicos adormecidos, colocando em risco projetos de conservação global. A confirmação de que o embrião era viável, contudo, mantém vivo o objetivo de devolver o rinoceronte-branco-do-norte ao seu habitat natural. Acompanhar os próximos passos da equipe, que incluem novas transferências embrionárias e possíveis edições genéticas, torna-se essencial para quem se interessa pela interface entre biologia da conservação e tecnologia.

Curiosidade

Pesquisas indicam que toxinas de Clostridium podem permanecer estáveis por séculos em ambientes sem oxigênio. Quando expostas, agem mais rápido em animais de grande porte devido ao alto fluxo sanguíneo. Estudos semelhantes investigam riscos para rebanhos domésticos em regiões sujeitas a inundações, reforçando a importância de monitorar solos após eventos climáticos extremos.

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