Uma década de monitoramento no Cânion Barkley, na costa da Colúmbia Britânica, Canadá, revelou o desaparecimento de vermes-zumbi (Osedax) em carcaças de baleia depositadas a 900 metros de profundidade. O levantamento, conduzido por pesquisadores do Ocean Networks Canada (ONC) e da Universidade de Victoria, indica que a ausência desses invertebrados pode sinalizar um impacto direto da expansão das zonas de oxigênio mínimo, associadas ao aquecimento global.
Experimento de dez anos registra ausência completa
Entre 2014 e 2023, a equipe liderada pelo cientista Fabio De Leo colocou ossos de baleia-jubarte no fundo do cânion e utilizou veículos operados remotamente para inspecionar o material a intervalos regulares. Durante todo o período, não foi detectada nenhuma colônia de Osedax, embora o local já tenha registrado a presença desses organismos em expedições anteriores.
Os vermes-zumbi não possuem olhos, boca ou sistema digestivo convencional. Em vez disso, desenvolvem uma estrutura semelhante a raízes que perfura o osso e extrai colágeno, gordura e outros nutrientes com a ajuda de bactérias simbióticas. Ao perfurar a superfície óssea, formam micro-cavidades que servem de abrigo para crustáceos, moluscos e poliquetas, aumentando a complexidade do habitat. Especialistas citam esse processo como um elo importante na reciclagem de matéria orgânica em águas profundas.
Efeito cascata na biodiversidade
Segundo Craig Smith, professor emérito da Universidade do Havaí e coautor do estudo, a expansão das zonas de baixo oxigênio é “má notícia” para qualquer organismo que dependa de madeira ou carcaças afundadas, pois o metabolismo aeróbico fica limitado. A redução de Osedax pode, portanto, comprometer a conectividade entre ilhas de biodiversidade criadas pelas carcaças, processo que normalmente distribui larvas por centenas de quilômetros.
Relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) apontam aumento médio de 3% nas áreas com menor teor de oxigênio desde meados do século XX. Embora os valores pareçam modestos, em regiões como o nordeste do Pacífico essa expansão foi mais acentuada, criando extensões de água menos favoráveis à fauna bentônica. Para organismos que já dependem de nichos específicos — como ossos afundados — qualquer acréscimo na anóxia pode inviabilizar a instalação de novas colônias.
Comparação com estudos anteriores
Investigações realizadas em 2003 no mesmo cânion registraram crescimento de Osedax em 100% das carcaças analisadas após dois anos de submersão. A diferença entre os resultados aponta, segundo De Leo, “uma potencial perda de diversidade em apenas uma geração de pesquisa”. Dados de expedições japonesas e californianas na década passada reforçam o contraste: nessas regiões, os vermes ainda são comuns em profundidades semelhantes.
Pesquisadores avaliam que a corrente de ventilação oceânica que atravessa a plataforma continental canadense pode estar enfraquecida, reduzindo a reposição de oxigênio nas camadas profundas. Modelagens hidrodinâmicas elaboradas pela Universidade de Victoria indicam declínio de até 2 mg/L no oxigênio dissolvido em algumas porções do Cânion Barkley nos últimos 20 anos, patamar crítico para vários invertebrados marinhos.
Possíveis consequências para o setor pesqueiro e para a pesquisa
A alteração dos ecossistemas de mar profundo vai além da perda de uma espécie curiosa. Segundo biólogos marinhos, a decomposição eficiente das carcaças acelera o ciclo de nutrientes e influencia cadeias alimentares que chegam às zonas de pesca comercial. Caso a reciclagem de matéria orgânica seja prejudicada, pode haver menor disponibilidade de micro-organismos e, em última instância, de recursos para espécies de valor econômico.

Imagem: Ocean Networks Canada
Para a comunidade científica, o desaparecimento de Osedax significa também a perda de um modelo biológico singular. Os vermes-zumbi servem como referência para pesquisas de bioquímica, simbiose e até biomineralização óssea. A continuidade de estudos sobre esses temas depende de acesso a populações viáveis em ambiente natural.
Aquisição de dados será intensificada
O Ocean Networks Canada anunciou que instalará novos sensores de oxigênio no cânion e testará a deposição de ossos em profundidades diferentes, entre 500 e 1 200 metros, para mapear gradientes ambientais. De acordo com a instituição, integrar sequenciamento genômico às amostras coletadas ajudará a detectar larvas dispersas na coluna d’água e verificar se a ausência observada resulta de mortalidade local ou falha no recrutamento larval.
Quem atua em conservação marinha vê o experimento como alerta para políticas de mitigação climática. Caso a tendência de expansão das zonas de oxigênio mínimo continue, habitats dependentes de madeira e restos de vertebrados podem desaparecer em várias partes do Pacífico. Para o leitor, a situação evidencia que alterações invisíveis no fundo do mar podem repercutir na pesca, na economia costeira e na própria compreensão científica dos processos ecológicos globais.
Curiosidade
Apesar do apelido “verme-zumbi”, o Osedax apresenta estratégia de reprodução incomum: fêmeas grandes abrigam dezenas de machos microscópicos em seu interior, formando haréns minúsculos que fertilizam ovos assim que são liberados. Esse arranjo garante rápida colonização de carcaças recém-chegadas ao fundo do mar — mas apenas se condições de oxigênio permitirem que as larvas sobrevivam até encontrar um novo osso.
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